As virtudes nascem estúpidas, reinventam o homem, enobrecem, acusam, afastam, segregam, enaltecem quase que sempre a criatura que as absorve, desestrutura um sonho e desarma uma vontade, uma percepção, uma história. Sabe aquela tua passagem por aqui, não me reconhecias, eis que hoje tu te encontras na plenitude, pois as escoriações sobram para mim, nas minhas horas longas de tédio, magnânimo tédio a que me agarro para esquentar os dias, lembra-te quando vinhas e me olhava, com um leve pesar, pois quem sabe fosse um pobre miserável que acabava de perder a própria moradia, e deixavas a moeda sobre o prato. Não parece a mesma pessoa que comungou esta história de fracasso, de desespero simples, de apelos, faltas e assombrações, de sensacionalismo cruel com o próprio medo, sim, porque um dia foste desta vileza e desta natureza vã de pedaços rudes caindo aos poucos, no solo, nulos, tristes e desarmônicos. Foste desta porca matéria sim, mas recuperaste, através de virtudes meticulosamente construídas, alguma estima que não acreditavas, o que apagou da tua mente, com a facilidade que as ilusões ensejam, o vazio deslumbrante que possuías e do que até te orgulhavas. Hoje reparas na minha nulidade manifesta e isto de nada te aflige, de nada te acossa, pois tu és plena ilusão numa metáfora de luz.
a ouvir Noir Désir - Des Armes
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