sábado, julho 31, 2004

A verve do espírito não reflete as adversidades do corpo. Destes códigos inúmeros de contradições, efervescência, manobras espúrias, guardo reservadamente pouco, mas no alto, as palavras incandescentes, flores nascendo em poros estéreis, desculpas, atraso, disfuncional paraíso. As serenas e cálidas manhãs soprando o ar bruxuleante das horas, finas e adocicadas manhãs que por detrás te escondem um amargo rancor, um perigo latente, problemas infinitos depontando como tumores no seu próprio peito, não cabem ilusões num segundo sequer destes momentos falsos, destruidores e, amiúde, humilhantes. Destravam-se as correntes e tu te libertas intensamente perdido, conflitos pululando, não sabes para onde ir. Às vezes uma voz pontifica um passo, uma miragem, algum sentido, mas logo vês o quão frágeis são estas paragens. Fogo-fáctuo. Tentas regressar, mas o máximo que podes conseguir é um grito na água rasa das misericórdias. E não pense se tratar de matéria onírica, pois a rigidez e imobilidade das coisas te impregnarão. E te sentirás só, numa forma de abandono alijada de qualquer ilusão ou rebuscamento.

Sinto muito em ter vindo apenas para fazer silêncio.

Ansiedade emparelhada aos
Lóbulos inchados

Verdades semi-ditas por
Parricidas opulentes
Marchando religiosamente
Nos rastros de fuligem
E discórdia
Dos homens de seriedade gris

Passagens noturnas
Ruminadas em sonho
Pálido desejo
De cansaço e quase lucidez

De quase destemor
De perdido instante estancado no isolamento


"Imagens pagãs se desnudaram em sonhos"

quinta-feira, julho 29, 2004

Sabia que há coisas entaladas na garganta, como miojo transgênico, que só passam quando se dorme doze horas de sono ininterruptas? Salve salve cobertores, ventiladores, escovas de dente, a pasta acabou, mas pode ir para a cama assim mesmo.

 
Após, colocar uma argola de touro no nariz não seria infrutífero.

Vou correr.

terça-feira, julho 13, 2004

Eterna displicência de não acreditar na crua realidade, naquelas horas insuportáveis, nos instantes degenerativos, aqueles minutos em metástase, ofuscando as últimas centelhas de vontade e razão. É isto que retroalimenta o tormento e o mantém nítido.

Congelados os braços no topo do morro, casebres abaixo crescendo como raízes pútridas. Perder-se no restrito espaço, o respirar de ácidas sensações. Nem todas as horas são de dizer foda-se.

domingo, julho 11, 2004

Sabe aquela estrela ali, insolente, esta mesma que me vem apavorando há tempos esquecidos, que me aborta, não me suporta, que me lateja, borbulhando o temor, as vestes do tempo balançando no telhado, as misérias, as misérias da alma. Esta estrela que me soca um olho, me ilumina estranhamente com a sutileza do anonimato caótico, a estrela víbora, sibilando pelo meu sangue, a descer como água viva sugando e sugando forças. Ela que brilha e apaga e neste intestício calcifica os instantes, colados no pétreo medo. Esta estrela sem razão que eu abomino, mas contra a qual é difícil alguma defesa. Mas tenho um único escape: a certeza de que ela, como toda estrela, também ela um dia será uma anã morta.

quinta-feira, julho 08, 2004

Breve imaginação pífia de registrar certeza e esperança em regenerar: a verdade é uma apenas, meu caro, é o implacável estouro, o estouro da hesitante bolha que são os sonhos. Ô criança.

sábado, julho 03, 2004

As virtudes nascem estúpidas, reinventam o homem, enobrecem, acusam, afastam, segregam, enaltecem quase que sempre a criatura que as absorve, desestrutura um sonho e desarma uma vontade, uma percepção, uma história. Sabe aquela tua passagem por aqui, não me reconhecias, eis que hoje tu te encontras na plenitude, pois as escoriações sobram para mim, nas minhas horas longas de tédio, magnânimo tédio a que me agarro para esquentar os dias, lembra-te quando vinhas e me olhava, com um leve pesar, pois quem sabe fosse um pobre miserável que acabava de perder a própria moradia, e deixavas a moeda sobre o prato. Não parece a mesma pessoa que comungou esta história de fracasso, de desespero simples, de apelos, faltas e assombrações, de sensacionalismo cruel com o próprio medo, sim, porque um dia foste desta vileza e desta natureza vã de pedaços rudes caindo aos poucos, no solo, nulos, tristes e desarmônicos. Foste desta porca matéria sim, mas recuperaste, através de virtudes meticulosamente construídas, alguma estima que não acreditavas, o que apagou da tua mente, com a facilidade que as ilusões ensejam, o vazio deslumbrante que possuías e do que até te orgulhavas. Hoje reparas na minha nulidade manifesta e isto de nada te aflige, de nada te acossa, pois tu és plena ilusão numa metáfora de luz.

a ouvir Noir Désir - Des Armes